Era antevéspera de Natal, época em que a gente corre para atender alguns compromissos e driblar outros. Como eu não voltaria ao hospital nos próximos dias, decidi passar por lá rapidamente para instalar um programa de cálculo de nutrição parenteral e doar um livro ao centro de estudos.
No caminho, recebi ligação do JC, preocupado com presente da Rosilene, a enfermeira que tem nos ajudado com boa vontade nas tarefas de verificar o estado dos equipamentos e tratar com os fornecedores. Tranquilizei-o dizendo que pedira ao nosso colega LF para que providenciasse uma lembrança de Natal para ela, o que naquela altura já deveria ter feito. Ele comentou que na circunstância atual seria ainda mais importante dar-lhe alguma coisa pois, da sua parte, ela já lhe havia feito tal gentileza (“apareceu um presente da Rosilene aqui”).
Quando nos encontramos no saguão do sexto andar, ao ver a Rosilene por perto, ele voltou ao assunto, demonstrando alguma inquietação. Queria saber se eu também havia ganho o meu presente.
-- Não? Pois você também vai ganhar. Eu ganhei uma caixa de chocolates. Temos que saber se o LF deu uma lembrança da nossa parte, senão vai pegar mal.
Estando ela a uma certa proximidade nossa, desconversei para manter discrição. Porém, a partir daquele momento, a possibilidade do LF ter esquecido de sua missão começou a me incomodar. Liguei para o seu telefone celular que, como em outras ocasiões em que é necessário falar com ele, estava em regime de caixa postal.
Um pouco mais tarde, já em nossa sala, enquanto preenchíamos a nota fiscal dos honorários repassados pelo hospital, o JC ainda estava intrigado: “Poxa, mas ela não deveria ter dado presentes a nós todos? Por que só eu fui agraciado?”
Desejando finalizar o assunto, respondi alguma coisa como:
-- “Ora, vai ver que ela está a fim de dar pra você!” Mas ele não se resignou:
-- É provável que o LF também tenha ganhado. Ela gosta dele “pra caralho...”
Esta singela troca de impressões foi subitamente interrompida pela figura da nossa enfermeira, que surgiu à porta e cumprimentou-nos com jovialidade. Então, um JC solícito interrompeu o que estava fazendo e, em um tom mais amistoso do que de costume, levantou-se e disse:
- Ô menina, antes de mais nada eu quero lhe agradecer pelo presente que você me deu. Muito obrigado, mas não precisava se incomodar! – foram suas palavras em meio a votos de feliz natal, abraço e beijinhos como é praxe nessas situações. Terminada a confraternização, ela esclareceu, com ar divertido:
-- Mas que presente? Eu não dei presente nenhum!
-- Não mesmo? E a caixa de chocolates, quem foi que deu?
-- Sei lá, mas eu não fui.
-- Ué...
Risadinhas de lá e cá, a cena tornou-se um pouco mais cômica do que embaraçosa quando o JC saiu-se com um gracejo quase feliz:
--É, mas o beijinho eu não devolvo!
Assim que ela se foi, meu amigo desabafou: “Aquele tonto do WP! Não sabe nem dar uma informação!”
-- O que ele disse pra você?
-- Que tinha um presente da Rosilene para mim! Se não foi da Rosilene de quem teria sido então?
-- Não sei. É possível que o LF tenha se esquecido do presente, do contrário ela teria feito algum comentário agradecendo. Ponderei que ainda tínhamos tempo, pois ele estaria aqui na manhã seguinte, dia 24. Contudo, ficou a dúvida se Rosilene viria trabalhar na véspera de Natal.
Decorridos alguns dias do episódio, ao conversar com o LF soube ele havia sim comprado oportunamente uma lembrança para a Rosilene e deixado com o WP, colega da UTI, para que o JC, naquele dia, a entregasse a ela em nome da nossa equipe. Era a caixa de chocolates, segundo a informação do WP o tal “presente da Rosilene” que aparecera na UTI, e que o JC interpretara como sendo destinado a ele.
A realidade, cada um a enxerga como quer.