Ao avançar agora algumas décadas surge-me a figura de uma moça de quem eu gostava. Feita da mistura incomum de pragmatismo e leveza, tinha um encanto psicológico que me atraia. Costumava dizer que não confiava em ninguém, nem nela própria. O tempo se encarregou com que eu viesse a concordar inteiramente com ela. Deve-se desistir diante das evidências que fazem a regra?
Lembro aqui da citação de JW Goethe, enfatizada pelo psiquiatra austríaco Viktor Frankl em sua busca por um sentido na vida: “If we take man as he is we make him worse, but if we take man as he should be we make him capable of becoming what he can be.” É uma máxima cuja validade temos oportunidades de testar no dia-a dia. Nessa empreitada, ficarei feliz se for bem-sucedido pelo menos uma vez...
Da minha parte, não creio haver muito lugar para idealismos neste momento. No entanto, valendo-me ainda da alegoria ecológica, por vezes vejo-me a chafurdar, teimoso, em um pântano. Com o olhar atento, paciência e sorte, quem sabe não encontre alguma flor?
“Tu te tornas eternamente decepcionado pela expectativa que cultivas" lembrava-me um amigo (hoje falecido) mágico das letras. Contrapondo-se à filosofia exuperyana, esta paródia revela sabedoria baseada na vivência prática com seres humanos. Seria o produto final de nossas idealizações. Por outro lado, penso que decepções podem servir também de matéria-prima para forjar a vontade de mudança. A forma para se fazer isso compete a cada um escolher.
Ao longo da vida doamos parte do nosso tempo e energia a pessoas nas quais acreditamos. Algumas poucas nos são gratas, por terem correspondido ao nosso empenho; mesmo estando fisicamente distantes nunca as esquecemos. Outras, com o tempo, afastam-se por não comungar mais das mesmas devoções — estas nos são indiferentes. E ainda há as que, dada sua carência de luz própria, guardam instintos predadores. Em geral, ocultam-se sob uma máscara de simpatia e efusividade. A elas dedico um pensamento de Schopenhauer. Este filósofo alemão dizia que toda a maldade, inveja e estupidez que tivemos que suportar não devem ser de modo algum atiradas ao vento, mas sim usados como alimenta misanthropiae e continuamente lembrados para sempre termos diante dos olhos a índole real dos homens, e não nos comprometermos de modo algum com eles.
Finalizo com um trecho já mencionado de sua coletânea de escritos a respeito: “Assim descobriremos que, de fato, frequentávamos há muitos anos aqueles com quem tivemos experiências desse gênero, sem os acreditarmos capazes disso. E, portanto, foi só a ocasião que os pôs em evidência. Ora, quando começamos a nos familiarizar com uma pessoa, devemos ter em mente que, caso a conhecêssemos mais intimamente, decerto a desprezaríamos ou teríamos que odiá-la.”