*Madamina, il catalogo è questo/ Delle belle che amò il padron mio/un catalogo egli è che ho fatt'io/ Osservate, leggete con me...
Tudo calmo até agora — situação que me traz duas possibilidades: dedicar algum tempo às elucubrações ou rever figuras das mais curiosas.
Recordo-me de uma, em especial, cuja imagem evoca a personagem principal de um libreto escrito por Lorenzo da Ponte, que se tornaria a ópera mais conhecida de Mozart. Simpático e falante, recebia-me com um aperto de mão efusivo, a demonstrar alegria e ânimo que contrastavam com a perspectiva que eu costumava desenhar das horas subsequentes. Após terminar seu trabalho, voltava à carga com entusiasmo:
"E aí tio… tudo certinho? Tem agitado muito?" ou então: “Como está a safra deste ano”?
Um olhar maroto expunha a conotação de tais frases, bem como o prognóstico da conversa que viria, caso eu estivesse disposto a encará-la. Às vezes eu aquiescia, devolvendo:
"Eu estou tranquilo e você, alguma novidade?”
"Rapaz, se eu te contar você não acredita! Sabe aquela loirinha da...?"
"Acho que sim...”
“Pois é, eu sempre a cumprimentava demonstrando interesse, fazendo um elogio (oi gata, como você está bem!). Hoje à tarde encontrei-a lá. Beijinho e coisa e tal, entramos na sala de informática. Dali a pouco ela se aproximou – tinha um jeito malicioso - e vendo que não havia ninguém por perto, fechou a porta e sentou-se ao meu lado.”
Então ele passou a descrever uma cena que aludia a determinado episódio vivido na Casa Branca pelo ex-presidente Clinton anos atrás e que fora largamente divulgado pela imprensa. Com algum esforço, tentei juntar um pouco de credulidade ao esboço de ceticismo que, imaginava, ia se formando no meu rosto à medida que ouvia o relato.
"Sim, e depois?”
"Bem, eu pedi-lhe que parasse, pois poderia dar na vista. Felizmente ela se tocou... mas isso não é nada, você não sabe o que aconteceu comigo há alguns dias atrás!"
"…?"
"Alguns clientes apareceram no escritório para tratar de um negócio qualquer, nada muito importante. Entre eles uma jovem bonitinha, com carinha de safada; eu, só imaginando qual seria a dela. Pois na mesma semana ela telefonou perguntando até que horas eu ficaria lá, que precisava muito falar comigo e se eu não dispunha de um horário extra. Combinamos que eu a esperaria após o término do trabalho. Quando ela chegou estava de vestido curto, cheirosinha, um tesão!"
"E os demais?", perguntei.
"Disse-me que preferira vir sozinha, que eu havia sido muito competente, atencioso, essas coisas... e se sentira atraída por mim. Bem, pra encurtar a história nós transamos ali mesmo, no sofá!”
Não
sei o que é pior nessas horas: assistir compulsoriamente ao Jornal Nacional ou
botar a conversa em dia, ouvindo tais novidades. Penso que deveria haver um
adicional de insalubridade para casos assim.
Em uma ocasião em que tivemos que permanecer no trabalho até mais tarde, ouvi um ruído de discagem de telefone celular. Seguiu-se uma conversa em que uma voz feminina soava distante do outro lado. Não era possível distinguir o teor das palavras, apenas o que dizia o nosso amigo era audível:
"Oi, tudo bem? Acordada a esta hora?" "Pensando em mim? Então, acertei… O que você está vestindo? Hummmm… está com calor?" Era um diálogo de frases previsíveis, que não me recordo agora. Lembro-me apenas que em certo momento, pelo que pude entender, ela já deveria estar na cama, nua, ansiosa, à espera do nosso amigo.
No dia seguinte, quando nos encontramos no café, ele adiantou haver marcado encontro com alguém para aquela tarde.
"Qual delas, a da..., ou a do escritório?”
"Nenhuma delas. É a...”
De antemão prefiro não considerar estas tardes como perda total, pois se tudo estiver sob controle posso dedicar o tempo ao término de tarefas atrasadas. E assim fiquei, até o seu retorno.
Mais tarde, quando jantávamos no "bandejão", ao perceber que eu incluíra em meu cardápio não mais que parcas porções de feijão com arroz e um pedaço pão, justificou a quantidade substancial de mistura que colocara em seu prato. É que havia adotado um regime que eliminava definitivamente alimentos tais como o arroz que, segundo ele próprio, vinham lhe causando incômoda flatulência e uma certa barriga. "Sinto-me outro agora, muito mais leve e disposto", concluiu.
Eu permanecia à espera de seu depoimento sobre as peripécias daquela tarde, imaginando que ele iria se manifestar espontaneamente. Não demorou muito para acontecer:
"Meu amigo, que mulher!"
"Qual delas?" indaguei, fingindo buscar um parâmetro.
"A desta tarde," respondeu, enquanto empurrava boca adentro um belo pedaço de bife à rolê.
"Então, vocês saíram?" Pelas informações que ele deixara escapar, haviam tido anteriormente alguns contatos fortuitos, mas apenas no plano social.
"Não, foi na casa dela mesmo.” Quando cheguei, perguntou se eu gostaria de tomar um banho, relaxar, com o que concordei. Depois deitamos e ela começou a me fazer uma massagem nas costas.
"Sei…!"
"Aí eu fui na boa; tirei-lhe a roupinha, fiz o triângulo, depois a virei de bruços…que gracinha!”
E continuou por ali afora. Naquelas alturas, já não me importava mais com o quesito veracidade. Ao contrário, enquanto escutava, eu havia me adaptado ao jogo das aparências, facultando-lhe se esmerar cada vez mais nos detalhes de sua narrativa.
Não precisei de muita imaginação para me transpor ao final do século XVIII, época em que foi produzida a ópera bufa à qual me referi. Páginas do catálogo de “Don Giovanni”* eram folheadas agora à minha frente. Nelas, desfilava infindável, a sua relação de amantes. Gordas, magras, altas, baixinhas, casadas ou solteiras, novas ou velhas, nada o constrangia. Mas, neste caso, era clara a diferença em relação à alegoria de Don Giovanni: não havia crime, dramas, apelos à consciência e tampouco o epílogo marcado pela sua punição do libertino. E, à parte do cunho banal, chamava à atenção a falta de sobriedade na história do nosso protagonista.
Pensei na criatura que costurava suas meias, lavava suas cuecas e o aturava diariamente. Tempos atrás ele me contara que a esposa lhe pedira a separação, porém, dissuadira-a deste propósito, aconselhando-a a não conversar demasiadamente com as vizinhas e ouvir fofocas pelo telefone.
Em uma ocasião em que tivemos que permanecer no trabalho até mais tarde, ouvi um ruído de discagem de telefone celular. Seguiu-se uma conversa em que uma voz feminina soava distante do outro lado. Não era possível distinguir o teor das palavras, apenas o que dizia o nosso amigo era audível:
"Oi, tudo bem? Acordada a esta hora?" "Pensando em mim? Então, acertei… O que você está vestindo? Hummmm… está com calor?" Era um diálogo de frases previsíveis, que não me recordo agora. Lembro-me apenas que em certo momento, pelo que pude entender, ela já deveria estar na cama, nua, ansiosa, à espera do nosso amigo.
No dia seguinte, quando nos encontramos no café, ele adiantou haver marcado encontro com alguém para aquela tarde.
"Qual delas, a da..., ou a do escritório?”
"Nenhuma delas. É a...”
De antemão prefiro não considerar estas tardes como perda total, pois se tudo estiver sob controle posso dedicar o tempo ao término de tarefas atrasadas. E assim fiquei, até o seu retorno.
Mais tarde, quando jantávamos no "bandejão", ao perceber que eu incluíra em meu cardápio não mais que parcas porções de feijão com arroz e um pedaço pão, justificou a quantidade substancial de mistura que colocara em seu prato. É que havia adotado um regime que eliminava definitivamente alimentos tais como o arroz que, segundo ele próprio, vinham lhe causando incômoda flatulência e uma certa barriga. "Sinto-me outro agora, muito mais leve e disposto", concluiu.
Eu permanecia à espera de seu depoimento sobre as peripécias daquela tarde, imaginando que ele iria se manifestar espontaneamente. Não demorou muito para acontecer:
"Meu amigo, que mulher!"
"Qual delas?" indaguei, fingindo buscar um parâmetro.
"A desta tarde," respondeu, enquanto empurrava boca adentro um belo pedaço de bife à rolê.
"Então, vocês saíram?" Pelas informações que ele deixara escapar, haviam tido anteriormente alguns contatos fortuitos, mas apenas no plano social.
"Não, foi na casa dela mesmo.” Quando cheguei, perguntou se eu gostaria de tomar um banho, relaxar, com o que concordei. Depois deitamos e ela começou a me fazer uma massagem nas costas.
"Sei…!"
"Aí eu fui na boa; tirei-lhe a roupinha, fiz o triângulo, depois a virei de bruços…que gracinha!”
E continuou por ali afora. Naquelas alturas, já não me importava mais com o quesito veracidade. Ao contrário, enquanto escutava, eu havia me adaptado ao jogo das aparências, facultando-lhe se esmerar cada vez mais nos detalhes de sua narrativa.
Não precisei de muita imaginação para me transpor ao final do século XVIII, época em que foi produzida a ópera bufa à qual me referi. Páginas do catálogo de “Don Giovanni”* eram folheadas agora à minha frente. Nelas, desfilava infindável, a sua relação de amantes. Gordas, magras, altas, baixinhas, casadas ou solteiras, novas ou velhas, nada o constrangia. Mas, neste caso, era clara a diferença em relação à alegoria de Don Giovanni: não havia crime, dramas, apelos à consciência e tampouco o epílogo marcado pela sua punição do libertino. E, à parte do cunho banal, chamava à atenção a falta de sobriedade na história do nosso protagonista.
Pensei na criatura que costurava suas meias, lavava suas cuecas e o aturava diariamente. Tempos atrás ele me contara que a esposa lhe pedira a separação, porém, dissuadira-a deste propósito, aconselhando-a a não conversar demasiadamente com as vizinhas e ouvir fofocas pelo telefone.
"Sabe como é, a certas pessoas não se pode dar crédito, concorda?" Na sua maneira de ver, estavam enchendo a cabeça dela de coisas e ele, marido zeloso, convencera-a finalmente a se dedicar mais às tarefas da casa e aos filhos; assim sobraria menos tempo para pensar em bobagens. Graças a essas medidas — afirmava com segurança — o relacionamento entre ambos havia melhorado muito.
Já vencido pelo enfado, eu matutava sobre o significado da expressão "fazer o triângulo" quando, na sobremesa, ele ensaiou dizer qualquer coisa sobre o carnaval que já vinha próximo. À vista da ameaça de perpetuação do assunto, decidi então ser incisivo: adiantando-me ao seu ramerrão, comuniquei-lhe minha ideia de integrar um cordão carnavalesco.
"Ué, não sabia que você era folião..." surpreendeu-se ele, enquanto descascava uma banana.
"Pois sou" — disse eu, que recém inventara aquilo.
"E que cordão é esse?"
“Vou integrar o bloco do "Não Comemos Ninguém”, respondi, encerrando em definitivo a conversa.
Link para a ária Madamina, il catalogo è questo
Don Giovanni (Wolfgang Amadeus Mozart)
"Ué, não sabia que você era folião..." surpreendeu-se ele, enquanto descascava uma banana.
"Pois sou" — disse eu, que recém inventara aquilo.
"E que cordão é esse?"
“Vou integrar o bloco do "Não Comemos Ninguém”, respondi, encerrando em definitivo a conversa.
Don Giovanni (Wolfgang Amadeus Mozart)