Como é bom ficar junto à namorada na hora que se segue ao amor!
A esta sublime e breve felicidade, já aludiram, usando da licença poética, Carlos Lyra e Vinicius de Moraes. E também Luiz Vieira - 'Quando estás nos braços meus sinto a vida descansar...'.
Para alguns é um sentimento de paz absoluta que transforma qualquer ação verbal em heresia.
Concordo que o efeito de certas palavras nessa hora pode ser tão catastrófico quando a falta de naturalidade que atrapalha os minutos que a antecedem:
“Foi bom pra você? E então, gostou? Agrada-te o meu corpo? Promete que não vai me largar depois? Diz que me ama!”
Está bem, mas não falemos mais nada agora! Guardemos as palavras para antes ou durante. Agora me lembrei de alguém que recitava um poema de Maiakovski o que, de fato, eu não achava ruim. Bem, exceção à parte, acho que enquanto os corpos estão unidos é melhor escutar o som da chuva caindo lá fora em contraponto com a respiração da amada, nada mais.
'No calor do teu carinho, sou menino passarinho com vontade de voar...' O pensamento voa para um lugar onde, por algum tempo, esquecemos as aflições. Para um mundo que passa a ser o melhor dos mundos, sem nada a acrescentar ou tirar.
"Não, não vamos nos separar nunca” (pelo menos não neste momento). É uma espécie de amnésia retrógrada que nos faz esquecer o incompatível e o impossível.
Porém, como tudo na vida, o que parece ser a verdade evidente para uns, pode não ser para outros.
Lembro-me agora de um episódio ocorrido há muitos anos quando eu morava no Edifício A...M..., e que dá uma ideia do modo diverso como tais emoções podem ser sentidas pelas pessoas.
Era um prédio residencial familiar, cujos candidatos a inquilinos passavam previamente pelo crivo do proprietário, que também cuidava dos costumes dos moradores.
Certa noite — era uma sexta-feira — recebemos a visita de duas distintas senhoras, nossas vizinhas. Apresentando fisionomias apreensivas e assustadas, queriam fazer-me uma consulta: se eu já notara determinados barulhos que vinham ocorrendo à noite.
"Doutor, são uns gritos horríveis, o senhor não ouviu?"
Cogitavam tratar-se de bruxaria — ritos de magia negra estariam sendo celebrados em um dos apartamentos! Buscavam testemunhos que confirmassem suas suposições, para então tomar as devidas providências junto à administração do edifício.
Surpreso, de início não atinei ao que se referiam. Com o evoluir da conversa, porém, me dei conta que em um ou outro final de semana despertara no meio da noite com ruídos vindos do andar de cima, para onde se mudara recentemente um casal.
Não nego, eram gritos de arrepiar — uma voz masculina de quem aparentava estar em agonia ou sob tortura. Porém, o que à primeira impressão se assemelhava a um sofrimento atroz, não durava mais que poucos segundos. Sobrevinha então um curto silêncio, interrompido por ruídos de passos, água saindo da torneira e um matraquear — este sim incessante — feminino.
Identificando mentalmente os motivos do alvoroço — o do casal de cima e o das duas senhoras — assegurei a elas que não percebera nada ainda, mas que ficaria atento e as comunicaria imediatamente em caso de alguma suspeita.
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No momento em que eu escrevo, minha simpática e falante amiga, modorrentamente refestelada no sofá atrás de mim, emite seguidos bocejos enquanto folheia a revista Veja (ela me disse que prefere a "Vejinha"). Agora há pouco a ouvi falar ao telefone qualquer coisa sobre sair do Mac Donald’s e passar na Block Buster.
Absorvido pela escrita, não lhe prestei muita atenção. Felizmente, agora ela está em silêncio — e tampouco fizemos amor. É melhor que continue assim.