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Despedida?

Hoje à tarde quando me ligastes,
tive saudades de ti

Saudade antecipada
por saber que tu estarás longe

Saudade angustiada
por saber que eu poderia estar junto

Saudade inútil e vazia
pois na verdade, nunca estivemos juntos

Saudade infinita
por saber que não ficaremos juntos

Saudade amarga
neste exato momento em que escrevo

Por isso, resolvi passar por aí
pra te dar pelo menos um beijo






Reminiscências III

        Da sala situada no alto do edifício do hospital lanço um olhar panorâmico sobre os arredores, o que me dá ideia das condições atmosféricas da manhã. Mal termina a reunião, uma corrente de vento frio seguida de um som forte característico anuncia com clareza a chuva que já começa a cair. Fecho as janelas e, a seguir, detendo o olhar sobre a moça que junta seus pertences preparando-se para sair, digo-lhe amistosamente: - "Piove!" 
Fico à espera que ela responda alguma coisa. Porém, com uma careta de quem está diante de um enigma, indaga: 
    - Heim? Ãh? O que é isso? 
      Sem dizer nada, constato com pesar que por trás de seu porte esguio, charme e delicadeza, oculta-se uma frustrante carência de imaginação. Como pode cohabitar em um ser de formas exteriores formosas e elegantes um espírito tão desprovido de graça? Escreveu Schopenhauer que quando começamos a nos familiarizar com uma pessoa devemos sempre ter em mente que, caso a conhecêssemos mais intimamente, decerto a desprezaríamos ou teríamos que odiá-la*. Embora a princípio eu veja algum exagero neste pensamento, é certo que não gostamos de saber que pessoas pelas quais nos sentimos inicialmente motivados são, na verdade, muito diferentes do que idealizávamos. Por outro lado, é uma expectativa simplista achar que quem nos cativa deve se comportar de acordo com nossas concepções.
Procuro sublimar minha decepção retrocedendo até os tempos de ginásio, nos meados dos anos sessenta. Lá, reporto-me a uma situação que eu, que mal havia entrado na adolescência, não tinha ideia clara de sua singular natureza. Só à medida que amadureci é que pude compreendê-la melhor. 
  Na época havia uma aluna por quem eu tinha secreta admiração. Acredito que todos, em algum momento da adolescência elegeram suas divas (ou príncipes). Não me refiro às que desfilavam na mídia ou que se via no cinema, mas às que eram fisicamente tão próximas que, estando à nossa frente, poderíamos, quem sabe, dirigir-lhes um tímido cumprimento.
            Aquela a quem me refiro tinha o nome de uma conhecida música romântica, do tempo em que música italiana era tocada nas rádios. Eu mesmo, até hoje me emociono ao ouvi-la. Morena clara, de cabelos castanhos à altura dos ombros, era dotada de uma elegância natural, que nascera com ela. A beleza de seu rosto, não consigo defini-la bem hoje; irradiava serenidade e uma discreta altivez. Jamais me ocorrera analisar suas feições detidamente, por receio de encontrar algum pequeno defeito que pudesse manchar sua idealização e também para não ser descoberto em atitude de admirador.  
            Quase nunca era vista sozinha, mas andava acompanhada de uma colega também atraente, ainda que em um plano inferior. O fato de não se saber quase nada sobre ela contribuía para envolvê-la em uma atmosfera de mistério, que me deixava ainda mais fascinado. Certo dia a vi caminhando na calçada, ao lado de um felizardo. Estavam, ela e sua amiga, sorridentes e pareciam muito interessadas no que o gajo dizia. Tanto que sequer me notaram.  É curioso que a partir de então não consegui mais me lembrar de sua imagem. Teria afastado do pensamento, como se evita alguém em cuja pureza e sinceridade se acreditava e que, sem maiores explicações perdesse a virtude? 
            Hoje penso que foi bom não te-la conhecido além da esfera platônica, que não lhe tivesse dedicado nada além de devaneios onanísticos. Assim, sua imagem permaneceu intocada. Não sei como ela estaria ela hoje. Uma matrona obesa? 

* coletânea de escritos de Schopenhauer: “A arte de conhecer a si mesmo”, organizada por Franco Volpi, editora Martins Fontes, 2009. Título original: Die Kunst: sich selbst erkennen, editora C.H.BECK, München, 2006.